domingo, 7 de agosto de 2016

Este é o post mais intimista que por aqui apareceu e/mas não é escrito por mim


Partir e permanecer...

 "Mas quando se muda de vida aos quarenta, a coisa pia mais fino. Os outros tentam achar piada. Mas não acham. Tentam compreender. Mas nem sempre conseguem. Dizem, boa sorte, pá, mas vê lá. Olha que tens uma filha. Olha que já tens quarenta. Tens a certeza que é mesmo isso que queres? Não, claro que não temos. Estamos à rasca, cheiinhos de medo. Dificilmente nos convidam para ir beber um copo. Afinal a conversa é séria e convém estarmos sóbrios. Convidam-nos para um café. Ou, se estiverem realmente preocupados, para um almoço. Vê lá, pá. Vê lá o que vais fazer da tua vida.

Quando se muda de vida aos quarenta, a viagem é cá dentro. Não, não é dentro de Portugal. É mesmo dentro de nós. Vamos até ao tutano. À massa de que somos feitos. E dói como o raio. Se dói. Choramos imenso, rimos imenso. Parecemos uns tontos, uns putos com pés de galinha e cabelos brancos. Descobrimos que somos mais rijos do que pensávamos. Que somos mais tolerantes, mais abertos, mais flexíveis. Mas a maior descoberta não é a de que somos mais coisa nenhuma. É a de que somos apenas isto. E ser apenas isto é uma coisa que se chama vida.

Depois, um dia, os amigos, que continuaram preocupados connosco, voltam a convidar-nos para almoçar. E é estranho. Porque nós, os que mudámos aos quarenta, voltámos diferentes, tão diferentes que já nem falamos das mesmas coisas, usamos outras palavras, rimos com coisas que nunca tínhamos rido antes. Os amigos, têm de conhecer uma pessoa nova, mas com o mesmo nome e a mesma cara. Os amigos acham que parecemos uns miúdos, mas nós sentimos que, por dentro, passámos a ter alma de oitenta anos. Dizem-nos, estás diferente, pá. E nós olhamos para eles, e respondemos com alívio, não, pá, sabes? Agora, finalmente, é que estou igual."


Cristina Nobre Soares é “copywriter”, trabalha na Claro e escreve no blogue “Em Linha Recta”.




Viver em Luanda

(...)"Parece que em Luanda o relógio engole as horas e falta sempre tempo para gerir a nossa semana. O passar dos minutos corre estranhamente da forma que o relógio quer e deseja. Não sei se ele bebe Cuca ou sumo de maracujá, mas até o não fazer nada é impossível. Eram tantas horas de trabalho, filas perdidas no transito, em reuniões, que passavam semanas e eu não conseguia terminar o capítulo de um livro ou uma série de TV em casa. Pouco. Poderia ter-se iniciado uma nova guerra mundial e eu teria a sensação de ser a última a ser avisada.Por outro lado, só quem morou em Luanda consegue descrever, parafraseando Caetano Veloso, a dor e a delícia de ser o que é...”. No meio da confusão, vivemos felizes a nossa segunda adolescência, só que com mais alguns trocos no bolso. Trabalhamos com níveis incríveis de stress, com os problemas mais insólitos que se podem imaginar e com uma desigualdade social que nos vai tirando uma lasquinha de vida a cada esquina. Mas somos gratos todos os dias ao país que nos acolheu. Reclamamos do óbvio, mas sorrimos nos finais de semana quando nos deitamos na areia quente que massaja a vida até chegar a segunda-feira.(...)E agora, no regresso, é como se um voo de oito horas e apenas uma hora de fuso horário nos tivesse trazido de volta para um mundo novo. O nosso “Truman Show” acabou. (...)Já não saio com os olhos vidrados nas janelas do carro para ver as cores vivas da cidade, já não reclamo do trânsito; a falta de água não é tema de conversa, tampouco a falta de luz, a violência, a situação dos hospitais... Na verdade, agora reclamo que me faltam temas diários para reclamar. Relativizamos a importância da vida e chegamos a conclusão que viver aqui é tão normal... há uma grande tristeza nisso. Mas existem compensações, é claro."

Juliana Torres é jornalista-publicitária que anda entre a longa ponte aérea Luanda-Lisboa

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