domingo, 25 de maio de 2014

Leituras recomendadas

Sou muito curiosa..... nos meus 60 dias em Angola  tentei observar e compreender o modo de vida Angolano,  pesquisei a sua história, a sua geografia, os índices de crescimento económico/demográfico, as características sociais, a língua nativa mais falada (Kimbundu)...  nas minhas pesquisas encontrei muitas coisas e encontrei também alguns blogues ....
 Um deles foi este:
Relatos muito interessantes e fotografias espectaculares de quem viveu/trabalhou algum tempo em Angola.
 Por me identificar com este post (além de outros) faço a sua transcrição.... quem tiver curiosidade visite o blogue. Vale a pena! 

"fado, fátima e futebol



By: Tiago Figueiredo

Há uns dias falava com uma pessoa e dizia-lhe que em sociedades assimétricas, com uma classe minoritária a apropriar-se ilicitamente dos meios de produção sacrificando a maioria dos seus compatriotas, se torna urgente uma leitura e postura crítica sobre os assuntos. Responderam-me que as críticas não levam a lado algum, que era preciso ser positivo e acreditar. Respirei fundo. “Não, não… Ser crítico não implica ser destrutivo, implica analisar os problemas, diagnosticá-los, imaginar soluções e propô-las. E o que é isso de ser “positivo e acreditar”? Acreditar em quê?” – “Acreditar no Homem. Acreditar que as coisas se irão compôr. As coisas levam tempo. A História tem mostrado que todos estes processos levam o seu tempo.”
Existe uma espécie de resignação nas sociedades em que estas desigualdades são mais evidentes. Uma espécie de resignação que se materializa num discurso que vem das mais diferentes alas sociais, como ouvi um destes domingos na missa da Graça, onde se contou uma parábola bíblica em que um povo fustigado por secas e várias tragédias consecutivas começou a perder a fé em Deus. Então Deus enviou à Terra uns profetas que restituíram a fé e a paciência no povo, a capacidade de aceitar a sua pobre condição, acreditando que um futuro radioso lhes estaria reservado depois de viverem em privação.
Não consigo encontrar neste discurso, e em outros semelhantes, outro propósito que não seja o de tentar atenuar o sofrimento psicológico de quem vive na miséria, de quem vê filhos morrer de um dia para o outro com menos de 5 anos de idade, de quem vê os pais e irmãos apodrecer na doença antes dos 50 anos, de quem não tem água, esgotos e energia eléctrica na casa feita de tijolo artesanal com chapa de zinco a fazer de telhado. Pode acalmar os pensamentos intrigados de quem vê compatriotas em Hummers de 75.000 dólares, vidros fumados fechados e ar condicionado no máximo, a cruzar-se nas ruas com os táxis onde 17 pessoas se comprimem para ir trabalhar, pode suavizar a curiosidade que causa o contraste entre o brilho acetinado de um fato Armani e as roupas poeirentas e remendadas de quem desce o morro pela enrugada estrada de terra batida, mas não resolve os problemas urgentes das pessoas. A paz, o pão, habitação, saúde, educação.
É perfeitamente possível conciliar uma leitura crítica com optimismo e fé na capacidade dos homens para resolver os problemas. Mas para resolver problemas não chegam apenas o optimismo e a fé. É preciso identificar os problemas, dividi-los em objectivos de curto prazo, exequíveis a curto prazo, para atingir os de longo prazo. É necessário também não passar ao largo de um pensamento político, e saber ser vigilante com quem conduz os destinos de um país, região ou cidade, ser interventivo e exigente e ter consciência que este planeta é de todos e não propriedade de uns poucos que decidiram apoderar-se dele.
Não ter posição, não ter opinião, não sentir indignação perante injustiças, ignorar prepotências, é tomar silenciosamente o partido do abusador. Não chega “acreditar”. Não é suficiente ter “fé” nos homens e na resolução natural dos desequilíbrios. É manifestamente pouco ter uma dedicação paliativa para minorar problemas a jusante sem comprender e atacar as suas causas a montante.
Estamos num grande autocarro. O motorista está a conduzi-lo mal. Todos sabemos isso. Podemos aceitar a condução perigosa do motorista, com uma caixa de primeiros socorros debaixo do braço para usar quando alguém se esborrachar numa curva mal feita. Podemos ser espectadores, ficar sentados na plateia, e intervir em socorro e auxílio após um desastre altamente previsível, acreditando que um dia mais tarde havemos de chegar ao destino. A condução é má, o autocarro está em mau estado, mas não temos outro. É assim a vida. Resignemo-nos. Aceitemos a nossa condição.
Mas também podemos dizer que queremos que a condução do autocarro seja melhor, podemos dizer que não queremos ir por aquele caminho, podemos organizar-nos entre os passageiros e escolher outro motorista para substituir o que está ao volante. Até podemos dizer que nenhum de nós está capacitado ainda para ser motorista, mas que isso não nos obriga a aceitar que o motorista conduza deliberadamente mal, sem respeitar os passageiros. Podemos dizer que não queremos sequer andar de autocarro, que escolhemos outro meio de transporte. E podemos pensar em soluções diferentes.
Infelizmente, a maioria das pessoas fica em silêncio. A estratégia a montante é simples. Minar o sistema de educação, garantir má nutrição do povo, dificultar o acesso a bens de primeira necessidade e obrigar as pessoas a viver cada dia como mais um que conseguiram sobreviver roubando-lhes tempo e energia para elaborar sobre como se poderiam organizar de forma mais eficaz para o bem de todos. E instigar o medo da opinião, criando isolamento, represálias, fomentando medo da partilha e debate com o cidadão do lado.
Estas coisas mudarem leva tempo, sim. A História assim o mostra. Mas também mostra que todas as mudanças nasceram da contestação, da vontade firme de uns poucos em alterar trajectórias, sacrificando-se e sendo muitas vezes punidos por ter opinião, por ousar contestar, isolados pela cobardia dos compatriotas e outras testemunhas cautelosas. Ficar em silêncio é tomar o partido de quem fomenta a miséria. Ficar em silêncio é ser cúmplice. Optar pelo cinismo é morrer sem saber que se morreu."

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